Editorial Serviço

Empreendedora da língua portuguesa

Halles Carolina Castro (foto) descobriu aos 17 anos que queria ter uma escola. Hoje ela é dona do Centro de Aprendizagem em Português, o CAP, no bairro da Liberdade

Aos 17 anos, quando ela nem sabia o significado da palavra, já havia traçado seu destino. Queria ser empreendedora. A adolescente já tinha claro na cabeça o ramo de atividade que iria abraçar. Seria dona de escola.

Então, recebeu da mãe, Clarice, professora universitária, o conselho para que fizesse um curso de pedagogia.

Hoje, Halles Carolina Castro, aos 43 anos, diz que, na verdade, deveria mesmo é ter feito um curso de administração de empresas. Pois o sonho de empreender virou realidade.

Paralelamente ao curso de pedagogia, feito na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), onde foi criada, ela decidiu fazer uma faculdade de odontologia. Nunca extraiu um dente sequer. O máximo que fez foi trabalhar, por um período curto, em um consultório de dentistas.

Enquanto a estabilidade profissional não chegava, foi ser guia de turismo. Falante, bem articulada, decidida, foi logo admitida pela Empresa de Turismos Stella Barros. Acompanhava grupos de adolescentes à Disney. Depois, chegou a trabalhar em uma escola pública, como professora eventual. Pronto, a experiência como empregada acabava ali.

“Mas a vontade de ser dona de uma empresa era cada vez mais forte”, recorda ela.

A mãe não queria mais ser professora de faculdade. Resolveu começar a preparar pessoas para concursos públicos e vestibular. Só que Clarice não se preocupava com a parte administrativa da escola que mantinha nas proximidades da estação São Joaquim do metrô, no bairro da Liberdade, na região central.

Em 2010, Clarice decidiu passar a escola para a filha. Halles, que havia terminado os cursos de pedagogia e odontologia, assumiu de vez a tarefa de comandar o curso. Teve de cuidar de toda a parte burocrática do negócio, que nem CNPJ tinha.

“Havia a necessidade de organizar a escola. Eu tinha de transformá-la em uma verdadeira empresa”, afirma.

Nascia o CAP (Centro de Aperfeiçoamento em Português). Instalado no número 113 da Av. Liberdade, prepara pessoas, de todas as idades, para concursos públicos, que é o forte da casa.

Os candidatos a prestar concursos formam a grande maioria de quem procura o CAP. Mas o curso também é procurado por quem quer um reforço da língua portuguesa para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e também por candidatos ao vestibular.

PORTUGUÊS NAS EMPRESAS

O CAP também vem se especializando em dar aulas em empresas. Atualmente faz um trabalho de aprendizagem da língua portuguesa para os funcionários do Laboratório Aché, em Guarulhos.

“Foi uma iniciativa do Departamento de Recursos Humanos da empresa, que quer aproveitar alguns talentos. Ocorre que muitas vezes a empresa quer aproveitar um funcionário para outros setores. Mas percebe que o funcionário talentoso, esforçado, tem problemas de comunicação, fala errado. Então, é melhor preparar este funcionário do que contratar outro”, diz Halles

É aí que entra o trabalho do CAP, que é dar a este funcionário o embasamento necessário de língua portuguesa para ter uma comunicação melhor.

Um fator que facilita o trabalho de aperfeiçoamento da língua portuguesa do CAP é que o centro só é procurado por pessoas comprometidas em melhorar em todos os aspectos o idioma pátrio, da gramática à redação, passando, claro, pela interpretação de texto.

“Só nos procura quem quer, mesmo, de verdade, melhorar sua escrita. Quem vem nos procurar, está interessado em passar no concurso, no Enem ou no vestibular. E o funcionário da empresa que nos contrata sabe que, se ganhou a oportunidade de se aperfeiçoar, tem de aproveitá-la. Isto é gratificante”, afirma.

Em relação ao trabalho feito nas empresas, Halles lembra que o processo de aperfeiçoamento é fundamental no mundo corporativo.

“Normalmente as empresas contratam pelo conhecimento e demitem pelo comportamento. E no comportamento está incluída também a comunicação do funcionário. Quem fala mal, com erros de português, dificilmente consegue subir de patamar. O mercado filtra”, afirma.

A carga horária do CAP é de 100 horas. O curso é dividido por módulos, que duram seis meses cada um.
Advogados que vão fazer o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também costumam procurar o CAP.

“Acontece de o advogado recém-formado chegar aqui e dizer que precisa de muito pouco para melhorar o português. Só que, após uma rápida conversa, percebemos que a pessoa comete muitos erros de linguagem, tem um vocabulário curto. Ou seja, precisa aperfeiçoar o idioma. Então, para este profissional, o curso é mais do que necessário. Mas o importante é a pessoa estar disposta a fazer a reciclagem, a diminuir a defasagem em relação à língua portuguesa”, avisa.

O CAP deu aulas para policiais japoneses que tinham como objetivo saber lidar com os imigrantes brasileiros que foram trabalhar e morar no Japão. Para saber lidar com os brasileiros no país asiático, os policiais japoneses queriam falar, bem, o idioma português.

“Os policiais japoneses vieram para o Brasil e fizeram o nosso curso, por vários motivos. Um deles é entender o contexto do crime no nosso país. No Japão, infelizmente para nós, os brasileiros muitas vezes se envolvem em crimes. Os brasileiros só perdem para os chineses quando o assunto é criminalidade no Japão. Por isto, os policiais japoneses precisam saber o português, inclusive as gírias e os palavrões que os brasileiros usam. Eles precisavam conhecer o contexto em que os brasileiros vivem. Um exemplo: os policiais, foram para as ruas tomar contato com a falta de segurança em nosso país”, disse Halles.

O custo de um curso de seis meses no CAP é de R$ 1,6 mil. Atualmente, 150 alunos frequentam suas salas de aula, que tem oito professores. As aulas são ministradas à noite e aos sábados.

INVESTIDOR

Halles procura um investidor para ampliar o negócio. Segundo ela, o mercado tem um futuro promissor. O CAP tem recebido cada vez mais pessoas com problemas graves na escrita, na conversação e na interpretação de textos em português.

A queda de nível é fruto da educação falha, nas escolas e faculdades públicas, e também no ensino particular. Ela diz que tem conversado com alunos formados até pela Universidade de São Paulo (USP), que apresentam falhas na comunicação verbal e escrita. Pessoas com muitas dúvidas sobre o nosso idioma têm aparecido com muita frequência para as entrevistas no CAP.

“As oportunidades neste mercado são imensas. Os cursos de línguas estrangeiras, como o inglês e o espanhol, por exemplo, proliferam. Mas o ensino de língua portuguesa tem espaço para ser explorado. Basta querer investir”, constata.

REDES SOCIAIS

Ela tem experiência suficiente para constatar que a queda de nível do ensino, fundamental, médio e superior, no país é um fato. Em razão disso, não critica quem utiliza a chamada linguagem fragmentada nas redes sociais para se comunicar.

Quem frequenta as mídias sociais percebe que o português escrito ali é repleto de vícios e erros. Na opinião de Halles, o problema está no baixo nível do nosso nível de ensino. “As redes sociais são o reflexo da queda do nosso ensino”, afirma.

Cheia de ideias, Halles dá os primeiros passos para criar cursos online de português. Ela visualiza no mercado digital uma possibilidade enorme para conseguir mais alunos.

“Com a vida agitada que levamos, fica mais fácil para o aluno ter aulas em sua própria casa, no horário que puder. Sem ter de se deslocar até o nosso espaço físico, tenho certeza de que o número de alunos vai aumentar bastante”, vislumbra.

Halles é atuante na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Ela é mentora da comissão de comunicação do Fórum de Jovens Empreendedores da entidade. Faz parte do corpo associativo da ACSP.

“A Associação Comercial de São Paulo foi uma grande escola para quem, como eu, queria empreender e não conhecia os caminhos. Aprendi e aprendo muito na associação comercial”, afirma.

Fonte: Diário do Comércio

Sobre o autor

Wagner Marcelo

Atua profissionalmente como arquiteto de inovação, gerando e fomentando ecossistemas empreendedores e tecnológicos, tendo como missão o desenvolvimento de negócios disruptivos.

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