Editorial TIC's

Jornalismo digital garante o futuro da imprensa

O americano "The Washington Post", de Jeff Bezos (na foto), apostou na sinergia entre a mídia tradicional e as novas tecnologias. Com isso, resgatou o apogeu do jornal que derrubou um presidente

Ano passado, apenas uma empresa de mídia figurou na lista das dez companhias mais inovadoras do mundo elaborada pela revista americana Fast Company.

Pela primeira vez d[esde sua fundação, em 1877, o jornal The Washington Post dividiu a glória ao lado de gigantes da tecnologia, como o serviço de streaming de vídeo Netflix; a fabricante de eletrônicos Apple e o e-commerce Amazon.

CAPA DO THE WASHINGTON POST NO DIA DA RENÚNCIA DO PRESIDENTE NIXON

Responsável pela publicação de reportagens memoráveis, como o caso Watergate, a investigação que levou à queda do presidente Richard Nixon, em 1974, o The Washington Post driblou muita adversidade para voltar aos holofotes.

Nas últimas décadas, a empresa viveu uma crise financeira – assim como toda a indústria de mídia mundial.

Nos últimos 15 anos, mais de 1,4 mil cidades dos Estados Unidos perderam algum periódico, segundo um levantamento da Associated Press.

De acordo com o Pew Research Center, o número de repórteres, editores, fotógrafos e outros funcionários de redações caiu cerca de 45% nos Estados Unidos, entre os anos de 2004 e 2017.

No Brasil, a situação é similar. Entre 2014 e 2018, a circulação dos 11 principais jornais diários impressos do país teve retração de 48%, com tiragem de assinaturas caindo de 1.256,3 mil para 654,1 mil exemplares, segundo um levantamento do Instituto Verificador de Circulação (IVC).

Num cenário de queda de tiragem, demissões em massa e jornais fechando as portas, o que fez o The Washington Post para ser a ponta de lança na indústria de mídia?

A resposta é tecnologia. E o nome por trás da guinada é Jeff Bezos, o bilionário dono da Amazon.

Em 2013, num movimento que chamou a curiosidade do mercado, Bezos adquiriu o The Washington Post por US$ 255 milhões.

Apesar do valor modesto para uma publicação tão celebrizada, o negócio parecia ser pouco vantajoso, uma vez que, nos seis anos anteriores, a receita da empresa havia caído 44%.

Por outro lado, num olhar visionário, a reputação do jornal mais do que centenário, ganhador de 47 prêmios Pulitzer, poderia ser uma mina de ouro.

“Não sabia nada sobre o negócio de jornais”, disse Bezos, um ano após a transação. “Mas sabia alguma coisa sobre internet”.

TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

A indústria da mídia vive uma dicotomia. A maioria das empresas busca alternativas para conseguir estancar a sangria causada pela perda de leitores e publicidade no meio impresso.

A grande responsável pela queda das receitas é a internet. A tecnologia causou mudanças nos hábitos dos consumidores e criou um enorme leque de alternativas de acesso à informação – o que implodiu o monopólio dos grandes jornais e editoras de revistas.

Ao mesmo tempo, a internet é a alternativa à crise – ou a base para a atuação do Quarto Poder na Nova Economia. Pelo menos é isso que aprendemos com o caso do Washington Post.

Sem mexer na linha editorial do jornal, Jeff Bezos implementou uma transformação digital. O jornal passou a ser orientado por dados.

FACHADA ATUAL DO PRÉDIO DO THE WASHINGTON POST

A empresa contratou engenheiros e cientistas de dados da Amazon.

Os profissionais trocam informações com seus pares na empresa de e-commerce para encontrar estratégias que podem ser aproveitadas no jornal.

Por exemplo, eles criaram algoritmos que recomendam matérias de forma similar a recomendação de produtos – um dos pontos fortes da Amazon.

A equipe técnica de Bezos, que atua em seus diferentes negócios, é composta por 700 engenheiros – mais de 220 somente no jornal. De acordo com o próprio Bezos, o time rivaliza com qualquer equipe de ponta do Vale do Silício.

Além do dono, duas pessoas se destacam no comando da empresa. O indiano Shailesh Prakash, diretor de produto e diretor de tecnologia, e o americano Martin Baron, editor-executivo.

Uma das funções de Prakash foi disseminar a cultura do desenvolvimento no jornal. Ele distribuiu programadores aos times comerciais e editorais. Os técnicos ficam à disposição para entender e resolver com agilidade demandas que nascem no dia a dia da redação.

Eles também desenvolvem produtos jornalísticos.

Uma das criações mais famosas foi o Arc, uma plataforma de gestão de conteúdo que cria páginas de jornais e sites jornalísticos em poucos cliques – já conforme o leitor verá na sua tela.

A solução foi criada para atender as demandas dos jornalistas do The Washington Post. No entanto, a ferramenta ficou tão boa que passou a ser vendida para todo mercado editorial. Nascia uma nova fonte de receita.

Hoje, a plataforma é utilizada por jornais de todo mundo, atingindo mais de 300 milhões de leitores.

Outro feito dos engenheiros e cientistas de dados foi desenvolver um programa que seleciona matérias do Wall Street Journal, The New York Times e outros veículos, retira as logomarcas e disponibiliza para um grupo de leitores, que recebem uma pequena compensação e também fornecem informações demográficas.

A ideia é pesquisar quais artigos eles preferem ler – e, a partir daí, coletar dados que serão usados em estratégias futuras.

No dia a dia, grandes telas instaladas nas redações exibem estatísticas de tráfego em tempo real.

Em 2015, Baron falou um pouco sobre as mudanças:

“Estamos deixando uma casa, com a qual tínhamos uma familiaridade ímpar. Só nós a conhecíamos bem. Agora, nos deparamos com comportamentos não muito conhecidos por nós. Nossos vizinhos são mais jovens, mais ágeis. Com certo desdém, não estão interessados no que fizemos. Eles são os nativos; nós, os imigrantes. É a hora de ser humilde e aprendermos”.

Editorialmente, Baron também conduziu a ampliação na cobertura nacional e internacional e contratou mais jornalistas. Hoje, o quadro das redações possui cerca de 800 profissionais.

O esforço tem galgado bons resultados. Ano passado, Fred Ryan, editor e diretor executivo do Washington Post, afirmou num comunicado que o jornal tinha alcançado recorde em assinaturas digitais. São mais de 1 milhão de assinantes pagos.

Já o jornal impresso possui tiragem diária de aproximadamente 325 mil. Aos sábados, a circulação aumenta para 500 mil exemplares.

Executivo também afirmou que os ganhos com publicidade digital foram os maiores da história do jornal.

No entanto, nem tudo é um mar de rosas. Em agosto, centenas de funcionários do Washington Post assinaram uma carta aberta, endereçada a Bezos, pedindo aumentos salariais e melhores benefícios.

“Por favor, mostre ao mundo que você não apenas pode liderar na criação de riqueza, mas também saber como compartilhá-la com as pessoas que ajudaram a criá-la”, dizia a carta.

Vale lembrar que, de acordo com uma estimativa do site americano Money, Bezos detinha na época um patrimônio líquido de US$ 158 bilhões de dólares.

Com a valorização das ações de seus negócios entre janeiro e agosto de 2018, seria possível a Bezos comprar um The Washington Post (por US$ 250 milhões) por dia.

Fonte: Diário do Comércio

Sobre o autor

Wagner Marcelo

Atua profissionalmente como arquiteto de inovação, gerando e fomentando ecossistemas empreendedores e tecnológicos, tendo como missão o desenvolvimento de negócios disruptivos.

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